Segundo denúncia dos pais, ato, considerado racista, partiu da diretora da escola, que não autorizou a matrícula do menino de 8 anos, por ele estar fora dos padrões seguidos pelas demais crianças do colégio, o estilo social.
Por O Estado
“Mamãe, não corta o meu cabelo! Não corta o meu cabelo!”,
dizia Felipe, de 8 anos, após ter sua matrícula negada em uma escola pública de
ensino fundamental, no município de São José de Ribamar. O motivo? O cabelo
crespo e volumoso, já considerado marca do visual do garotinho. O caso foi
levado à delegacia pelos pais da criança, Fábio e Joselma Lima.
A mãe da criança havia ido, em fevereiro, à Escola Municipal
Professora Augusta Maria Costa Melo, localizada no bairro Vila Olímpica, São
José de Ribamar, à procura de uma vaga para o filho estudar. A direção da
instituição pediu que a mãe retornasse no dia 12 de março, para efetuar a
matrícula da criança.
No referido dia, a mãe foi à escola e levou a criança, com o
objetivo de fazê-la conhecer o espaço onde estudaria. “Ao ver a criança, a
diretora da escola me disse: ‘Mãezinha, com esse cabelo não pode’. Fiquei
perplexa, até ela deixar claro que eu deveria levar o Felipe para cortar o
cabelo”, conta Joselma Lima. A diretora, Helena Rita de Sousa, havia feito a
exigência, pois o aluno deveria “seguir um padrão em que as outras crianças da
escola seguiam, de cabelos baixos, estilo social”, em suas palavras, conforme
contou a mãe.
A mãe diz que negou o pedido da diretora e que no mesmo
momento o seu filho pedia para ela não fazer o corte. “Felipe tem um certo grau
de autismo, e é apaixonado pelo seu penteado. Mesmo se um dia eu cogitasse cortar
os cabelos do meu filho, não poderia fazer isso de imediato, porque sei o
quanto o afetaria”, diz a dona de casa. Segundo ela, a diretora não recuou e
disse que essa era uma determinação da Secretaria Municipal de Educação de São
José de Ribamar e que a criança só seria matriculada após estar com um corte de
cabelo adequado.
Processo
O pai da criança, Fábio Lima, levou o caso para a polícia,
após tomar ciência de toda a situação. “Tive de fazer um boletim de ocorrência
sobre o caso, principalmente depois de saber que esta não é a primeira vez que
a diretora toma atitudes desse tipo contra pessoas de nossa comunidade”, diz o
pai. Para os pais de Felipe, ele teve o direito a sua identidade negado.
“Quem pode julgar meu filho pela cor de sua pele? Por seu
corte de cabelo? Essa diretora se acha no direito de padronizar as pessoas da
forma que ela acha correto, não respeitando as diferenças entre os seres
humanos”, desabafa Fábio Lima. Segundo o pai, após a repercussão do caso e do
envolvimento das investigações policiais, a escola havia comunicado a família
que a vaga do Felipe está garantida, mas a família recusou. “Tenho medo de
colocar meu filho para estudar em um local que gerou uma extrema situação de
desconforto antes mesmo de ele ser aluno da instituição”, completa.
O pequeno Felipe ainda não possui local certo para estudar o
ano letivo de 2019. Acerca do caso, O Estado entrou em contato com a Secretaria
Municipal de Educação de São José de Ribamar, que, segundo a declaração da
diretora, seria a responsável na exigência dos padrões do corte de cabelo. Até
o fechamento desta edição, nenhuma resposta foi recebida.
DESIGUALDADE RACIAL
Ainda persiste no Brasil a diferenciação entre pessoas por
causa da cor da pele ou demais traços característicos a raça. Em 2015, um
levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE) indica
que 30% da população negra (pretos ou pardos) não completava o Ensino
Fundamental antes dos 16 anos. Além disso, só 56,8% da população preta e 57,8%
parda entre 15 e 17 anos continuava no Ensino Médio. Em nível de comparação,
82% dos alunos brancos terminavam o Ensino Fundamental, e entre aqueles com
idade entre 15 a 17 anos 71% estavam na escola. Os reflexos da falta de acesso
são percebidos na aprendizagem. Segundo dados do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb) de 2015, 44,8% dos alunos brancos do 9º ano do Ensino
Fundamental tinham aprendido adequadamente o português. O mesmo índice era de
30,8% e 24,5% entre os estudantes pardos e pretos, respectivamente. Na
matemática, a situação se agrava: 27,4% dos brancos tinham domínio adequado da
disciplina contra 15% dos pardos e 10,7% dos pretos com o mesmo desempenho.
SAIBA MAIS
Crime de racismo
Previsto em lei específica, número 7.716/1989, o crime de
racismo é inafiançável e imprescritível. O crime de racismo pode ser visto,
pelo lado legalista e de forma simplificada, como sendo um crime onde por
preconceito uma pessoa seja impedida de praticar atos do dia a dia, como entrar
em determinados locais, comprar determinadas coisas, não ser atendido em algum
estabelecimento, ou ser privado de algum trabalho, ou segregar do convívio
comum com outras pessoas. A pena também vai de um a três anos e multa.
Conteúdo programático das escolas
A Constituição brasileira e as convenções nacionais protegem
as crianças no exercício de sua identidade negra. Em 2003 foi aprovada a lei
10.639, que exige que estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais
e particulares, torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
O conteúdo programático a que se refere deve incluir estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à
História do Brasil. Os conteúdos referentes à História e Cultura
Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em
especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileiras.
Nesta mesma lei, foi incluído que no dia 20 de novembro
seria comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra. A ocasião é dedicada à
reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi
escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em
1695.
Sistema falho
Discutir o racismo não faz parte de projetos temáticos em
24% das escolas públicas do Brasil, segundo dados mais recentes liberados pelo
Censo Escolar, aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) com 52 mil diretores de escolas.
O levantamento mostra que em 12 mil delas não existem
projetos com a temática do racismo. Quando o assunto é a desigualdade social,
esse número aumenta para 40% das escolas. Sobre diversidade religiosa, o número
de escolas que não incluem o tema em seus projetos sobe para 52%.
Desde 2003, todas as escolas são obrigadas por lei a ter, no
currículo do ensino fundamental e médio, o ensino de história e cultura
afro-brasileiras. Em 2008, também incluiu a obrigatoriedade do ensino da
cultura indígena nas escolas. Porém, o Brasil não tem mecanismos oficiais para
garantir se a lei é cumprida. O último Censo Escolar aplicado é a pesquisa mais
atual com dados a respeito do assunto.
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